Saudade, memória e Arquitetura

saudade
Saudade
A finitude nos espera. Sejamos seres humanos, sejamos civilização. Quem sabe a certeza do que um dia acaba, nos leve à tentativas de sermos perenes. E a Arquitetura mais que abrigo, mais que função de uso, talvez seja uma das formas com que consigamos nos aproximar de algo que perdure. Por isso, imagino, nosso fascínio por ela.
A casa da saudade chama-se memória: é uma cabana pequenina a um canto do coração. Coelho Neto
Palácios, mausoléus, templos e tantas outras formas de edificação nos falam de tempos que passaram. O garimpo por cidades antigas e formas do passado nos falam de pessoas que tiveram vidas, sonharam, realizaram. E quiseram marcar. Marcar em material o que lhes escapava do controle. Perpetuar a vida. Suas vidas.

sentimentos - saudade
Sentimentos
Ideias ficam. Marcam. Mas são na forma física que nos encontramos com a vida dos que se foram. Os Museus. Eles nos falam da história. Nos mostram pedaços de uma imensa colcha de retalhos chamada civilização humana. Buscamos quem sabe, enganar a morte com a força de nossas histórias. Quem nunca sonhou com isso? 

Crianças e poderosos reis, com certeza. Arquitetos sempre. Talvez aí também resida uma certa sensação de poder que nos faz achar que podemos cristalizar momentos. Já vi arquitetos se deixarem morrer quando sua obra do coração vai ao chão.
Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória. José Saramago
memória - azulejos
memória
Guardamos cidades como foram há séculos. Restauramos antigos prédios conservando sua memória porque sabemos da importância da saudade. A saudade nos resgata. Nos torna parte de uma linhagem. Nos faz parte da humanidade.

Neruda já falava sobre a memória em seu livro Confesso que Vivi: 
“Estas memórias ou recordações são intermitentes e por vezes fugidias na memória, porque a vida é precisamente assim. É a intermitência do sono que nos permite aguentar os dias de trabalho. Muitas das minhas recordações desvaneceram-se ao evocá-las, ficaram em pó como um vidro irremediavelmente ferido.

Não vivi, talvez, em mim mesmo; vivi, talvez, a vida dos outros.
A minha vida é uma vida feita de todas as vidas – as vidas do poeta.”

Torre de Vilharigues, Vouzela - Portugal
Torre de Vilharigues, Vouzela - Portugal
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão. Carlos Drummond de Andrade

De saudades e memória é feita a Arquitetura. Não apenas a monumental. As nossas casas tem muito das nossas lembranças de tempos bons ou do que imaginamos que seriam. Nossos sonhos são feitos de referências. 

Sabemos que vamos morrer. Mas no fundo de nossas almas esperamos deixar nessa passagem um quê que nos faça lembrados. Ou que faça tudo ter valido a pena.     

Leia também a Arquitetura da morte

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