O fogo e as botas do gigante


Não tive muito ânimo de escrever por esses dias. Muito trabalho na vida real (o que é bom), muita polêmica na vida virtual (o que nem sempre é bom dependendo do acirramento e falta de argumentos dos debates). Uma gripe em função de tudo isso, mais cansaço e mais umidade. E para coroar a semana, vem o fogo.

Por ironia estava vendo o início da segunda temporada de O Conto da Aia. (Falei sobre o impacto deste livro em mim em "da fobia social às distopias") quando passei os olhos distraída nas redes sociais e vi uma imagem tenebrosa. Um prédio pegando fogo.

Não apenas um prédio comum, mas um museu que abrigava uma das maiores riquezas em memória das Américas. 

E para variar, nesse país que deixa até o símbolo máximo de sua paixão nacional, a taça Jules Rimet, conquistada em plena ditadura militar em 1970, ser cremada porque sua réplica estava em um cofre. E o original às mãos de quem a pegasse.

E fiquei lembrando da minha história com museus. Por sorte eu morava ao lado de um. Não me lembro se a primeira vez que entrei fui levada pelos meus pais. Creio que sim. Eles eram sábios na maestria de despertar a curiosidade intelectual de seus filhos. Mais uma armadilha do bem que me capturou.    

Na Rua Duque de Caxias, no Centro Histórico de Porto Alegre, ao lado do edifício onde eu morava fica o Museu Júlio de Castilhos, a primeira instituição museológica do estado.  

 Costumava visita-lo sozinha várias vezes. Gostava de ver os móveis e vestidos de época. Mas o que realmente me fascinava eram as botas do gigante!
 Pergunte a qualquer adulto da minha faixa etária o que associava ao Museu Júlio de Castilhos. Todos vão falar daquelas botas que eram imensas aos nossos olhos e alturas de crianças. Dizem que o cara media mais de 2,15 e foi parar em um circo como se fosse uma aberração. Era comum naquelas épocas de pouco conhecimento se encarar diversidades como algo para se olhar, rir e algum esperto ganhar dinheiro. Dizem que ele morreu de desgosto por isso. Pode ser que seja lenda, não sei. Mas ver como se dá tão pouca importância à memória e tesouros que não tem preço muito se assemelha à não dar importância aos sentimentos de outros.
No Rio de Janeiro, o Museu Nacional da URFJ ardeu em chamas. Agravadas pelo pouco aparelhamento dos bombeiros. Há anos se alertava para a falta de manutenção. A última obra pelo que li foi em 2009. Não houve interessados nas captações de recursos via Lei Rouanet. Ainda se pensa cultura em termos de gastos e não como um alto investimento no futuro. Escrevo sem muita preocupação com os links que corroboram o que falo, mas posso afirmar que li muito sobre o fato. O que preciso agora é mais desabafar. O fogo, o descaso, a desimportância da história e da memória corroem nosso futuro.  

E mais que nunca fica o alerta
Não deixe que esses bastardos te reduzam as cinzas. O Conto da Aia

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