Arquitetura com alma: uma leitura de Humanizar de Thomas Heatherwick
Recebi o livro Humanize, de Thomas Heatherwick, pela Editora Olhares, e comecei a leitura com uma grande curiosidade, onde cada página me chamava para querer saber mais. O que encontrei foi um convite a observar com honestidade as cidades que estamos construindo, e o tipo de vida que elas silenciosamente moldam em nós. E tudo isso com uma diagramação extremamente criativa e nada entediante.
Heatherwick escreve com o entusiasmo de quem acredita que é possível mudar o rumo das coisas. Ele denuncia, de maneira veemente, um fenômeno que muitos de nós já sentimos, mesmo que de forma difusa: a monotonia visual, a repetição enfadonha, a ausência de alma nos edifícios que compõem grande parte das cidades contemporâneas. Não é apenas uma crítica estética. O autor se apoia em estudos, experiências e relatos para afirmar que a falta de beleza nos espaços afeta nossa saúde mental, nossas relações e até nossa criatividade.
O autor nos relembra uma lembrança clássica: Vitruvius e seus três princípios da arquitetura, firmitas, utilitas, venustas. Solidez, utilidade, beleza. No entanto, segundo Heatherwick, nas últimas décadas temos nos agarrado com força às duas primeiras pernas, esquecendo a terceira. A venustas, que por muito tempo orientou a criação dos espaços, tornou-se supérflua diante da lógica da eficiência, da economia de escala e da produtividade.
O livro é também uma crítica ao que ele chama de “caixotes eficientes”, prédios construídos rapidamente, com poucos detalhes, formas previsíveis e ausência de envolvimento humano. A defesa da emoção como uma função arquitetônica essencial atravessa o texto do início ao fim. Heatherwick não propõe uma volta ao passado nem uma arquitetura “decorativa”, mas sim um desenho que se preocupe com o impacto sensorial, que nos abrace na escala da porta, da rua e da cidade.

O autor articula sua visão com imagens instigantes e uma diagramação ousada. A leitura é rápida, mas deixa ressonâncias duradouras. Confesso que nem todos os argumentos me convenceram por completo. Ainda assim, a provocação é válida e necessária. Concordar ou não com tudo não diminui a potência de um livro que nos faz parar para pensar: estamos mesmo criando lugares nos quais as pessoas querem estar?
Ao terminar a leitura, fui atrás do movimento Humanise, lançado oficialmente em 2023, inspirado justamente nas ideias do livro. Trata-se de uma campanha global que busca reumanizar as cidades, combater a arquitetura sem alma e recolocar a experiência emocional no centro do projeto. O movimento sintetiza suas propostas em cinco princípios fundamentais:
1. Emoção também é função. Um lugar que não desperta nada de bom está falhando em seu propósito. A arquitetura deve ser projetada para tocar, acolher e emocionar.
2. Conversas públicas de verdade. Não basta apresentar o projeto pronto. É preciso escutar, envolver e permitir que as pessoas participem da construção do espaço desde o início.
3. Complexidade visual. Fachadas com texturas, materiais verdadeiros, detalhes e ornamentos fazem diferença. E não se trata de luxo, mas de saúde mental e senso de pertencimento.
4. Escala sensível. Pensar a arquitetura em três distâncias: a porta (2m), a rua (20m) e a cidade (40m ou mais), permite criar lugares que dialogam com o corpo, o olhar e o entorno.
5. Pensamento de mil anos. Projetar para durar, envelhecer bem e adaptar-se ao tempo. Não apenas resolver o agora, mas deixar legado.
Essa perspectiva ressoa com um desejo silencioso que, por vezes, habita em quem circula pelas cidades: o desejo de ser surpreendido, tocado, lembrado de que estamos vivos. Quando os lugares se tornam indiferentes, é como se estivéssemos também sendo ignorados.
A beleza, aqui, não é ornamento. É ponte. É afeto traduzido em matéria, forma e luz.
E talvez seja esse o maior mérito do livro: nos lembrar de que não é apenas possível, mas urgente, projetar com mais sentido. Para que as cidades deixem de ser apenas funcionais e passem a ser, novamente, humanas.

Ver tô dos os projetos recentes -
ResponderExcluir