Redução de São Miguel - meu olhar
Meus livros |
Entre a criança que fui e a adulta que me tornei, muita história se passou. Muita leitura, releitura, versões e conclusões. Li muito sobre a história dos sete povos, a organização dos jesuítas, a contradição da fé que se impõem sobre culturas, a cobiça de tantos (reis, Igrejas, conquistadores) que fazem a diferença na vida comum do povo.
Mas, fui para esse passeio de mente aberta. Como quem abraça um sonho e não o mistifica. Fui olhar. E fui olhar não apenas com a mente de arquiteta, fui olhar como quem reconhece um momento de vida, de luta, de fé, de conquista. Ruínas de um sonho de muitos. Lembranças para nós, que tantas vezes nos sentimos gloriosos, que a vida passa, os templos caem, mas as ideias permanecem. Nem que sejam em forma de lembranças.
Um trabalho primoroso, onde culturas europeias e americanas se fundem na produção de beleza. Artesãos guaranis aprendem técnicas com os jesuítas, há toda uma organização. Havia abastecimento de água por fontes próximas, faziam vinho, forjavam ferro. Se ensinava a ler, escrever, havia hospital.
E majestosamente no centro de tudo, a Igreja. Para que nunca se esquecesse que a causa das reduções era levar a fé católica aos povos bárbaros dos confins da terra. E em nome dessa fé, apagar muitas vezes seus hábitos, suas cultura, seus próprios deuses. Dessa mistura de intenções, surgiu uma sociedade avançada. Com técnicas, com estrutura cooperativa, que fez sua história. E que foi esmagada por interesses outros.
E de suas ruínas tiramos tantas lições. Cada um a sua. Uns que a marcam na pedra, como essa inscrição de 1929. Outros que vislumbram que a Vida sempre permanece e torna a acontecer, fazendo do patrimônio sua morada.
Duas coisas me impressionaram além da construção. O vento. O barulho do vento lá dentro chega a ser assombrante. Há momentos em que, sozinha, em cantos, me senti acompanhada do passado. E os pássaros. Esse branco especialmente que dava rasantes quase que me desafiando a perpetuar sua liberdade. E me mostrando que mais que imagem, a vida de verdade é feita de instantes. Não consegui fotografar seu voo. Mas nenhuma foto que fiz me marcou mais que ele.
Por dentro desses espaços andaram homens, mulheres e crianças. Embaixo dessa grama, nos quatro cantos entre as árvores, eles descansam em seu repouso eterno. Vida e finitude. Fé. Permanência. Transcendência.
Meu olhar foi particularmente impactado pela vida vencendo a morte. Pela renovação sobre a ruína. Pela vegetação que se une à muros feitos pelos homens. Pelo jovem guarani que brinca no meio da lembrança de seu povo. Será a sua vida hoje muito diferente das crianças de séculos atrás? Teria sido se as Reduções pudessem ter vingado? Teria sido se elas nunca tivessem existido? Quem saberá? A História é feita dessas indagações.
Fotos Elenara Stein Leitão / junho 2013
Gostei muito das suas reflexões a respeito desse olhar o passado com uma visão do presente.Particularmente, me sinto questionada sempre com a "violencia"de se forçar uma população a abandonar sua cultura
ResponderExcluire seus hábitos.Eu me pergunto:será válido tudo isso?
Como todo questionamento histórico, creio que não conseguiremos responder. A História e a Vida se fazem de lutas, o mais forte abate o mais fraco. Será justo? Creio que não. Será possível que não mais aconteça? Também creio que não. O importante é estarmos sempre conscientes disso. Trabalho de formiguinha. Quem sabe um dia...
ResponderExcluirObrigada por teu comentário Edna, esse retorno é super importante para mim. Grande abraço
Elenara
Elenara, fiquei arrepiada de ler seu post. Parabéns, seu olhar tem espiritualidade e poesia. Beijos, Cláudia
ResponderExcluirMuito obrigada Cláudia! Muito bom saber que tu gostou! Abraços
ResponderExcluirElenara
Lindo texto e belas imagens, concordo que o instante, o momento, é mais significativo que qualquer representação virtual.
ResponderExcluirObrigada Widhey Henrique! Adorei teu comentário. Abraço
ResponderExcluirElenara
Maravilhoso esse teu trabalho e depoimento.Concordo com todos os comentários.A tua sensibilidade me fez refletir sobre a origem da nossa aguerrida ALMA gaudéria.
ResponderExcluirNão serão uns Felicianos e Renans de hoje que nos intimidarão nossos insensatos desejos- , liberdade e desenvolvimento.Lembra da música"Vento Negro" do Fogaça foi o que tu sentiu.É o mesmo... Abraço
Obrigada pelo comentário, Paulo Ricardo. Sempre tive muito presente essa herança da alma gaudéria. Abraços
ResponderExcluirElenara