A queda do abacateiro

Desci apressada para um compromisso e comentei sobre as mortes de vizinhos no prédio. Quatro em um mês, constatou a faxineira. Pensava na impermanência da vida quando uma vizinha disse ser dia da árvore. Estranhei e minha memória rodou rapidamente tentando lembrar se tinha esquecido alguma data. Ao sair para a rua, soube então. Tinham cortado o abacateiro do terreno vizinho. O abacateiro já estava lá quando cheguei, há cinquenta anos. Era uma jovem estudante de arquitetura e minhas janelas não davam para o terreno onde ele vivia. Deve ter crescido em silêncio, mas com firmeza. Deu frutos por décadas. Muitos caiam em nosso pátio. Deve ter sombreado histórias que ninguém mais conta ou lembra. Foi testemunha de transformações urbanas, casamentos, separações, exílios e retornos. Talvez tenha abrigado mãozinhas infantis a buscar seus frutos. Era discreto como um velho sábio e, como tal, foi ignorado no fim. Talvez, assim como as pessoas que moram por aqui, tenha seu ciclo de vida e morte. A...