Planejamento que não planeja, barranco que desbarranca...
Com esse excelente texto, o arquiteto e urbanista Oscar Müller nos brinda com reflexões sobre as tragédias anunciadas que acometem as encostas de nossas cidades, vitimas de ocupação irregulares e descaso público. Vale a pena a leitura.   
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Os dramáticos acontecimentos  desta época de chuvas chamaram atenção de todos nós, mas para o olhar do  arquiteto, é a ocupação da encosta, antes da chuva, a prender nossa atenção.  Para nossa maneira enviesada de ver as coisas, o protagonista principal desta  novela que se repete anualmente não é a chuva, mas a ocupação da encosta. Não é  de se estranhar portanto, que neste mundo globalizado onde a troca de  informações ocorre tão rapidamente, dois arquitetos (eu aqui em Sampa e o Wagner  lá na Holanda) tenham se debruçado sobre a questão, chegando a conclusões que  passo a descrever.
As questões envolvendo habitação popular nas  ocupações em encostas são as óbvias, as favelas cariocas o exemplo mais  conhecido de todos, e até mesmo ali os espaços comuns de circulação, que parecem  o pior nestas situações, não são muito diferentes do que se vê em muitas cidades europeias, nos valorizados e charmosíssimos lugares onde a ocupação medieval não  destinava mais espaço para a circulação, do que necessitava um burro de carga. O  burro de carga dos nosso dias é a scooter, a motocicleta de baixa cilindrada que  também se vê nas favelas, fazendo até o serviço de moto-taxi. 
Ora, além do preconceito, e do tijolo baiano  substituindo a pedra, não há muita diferença entre a favela e o vilarejo  medieval... Ambos tem a graça do inesperado, das soluções particulares, não  sofrem da mesmice urbanística impessoal dos espaços legislados, mas no Rio, ah,  ali há um particular fundamental: a todo momento o transeunte se depara com uma  vista incomparável, maravilha sem preço! 
Agora estão instalando teleféricos em alguns locais  no Rio, o que me parece excelente, podemos apostar que isto vai gerar uma  espiral positiva na recuperação daqueles espaços, e a mídia expõe imagens aéreas  que mostram as construções irregulares, as muitas paredes sem revestimento, a  quase total falta de verde, e os malditos telhadinhos de fibrocimento, mas nada  disto consegue esconder a beleza daquela topografia... A diferença aqui, se  compararmos com as charmosas ocupações medievais da Europa, é que se desde a  favela os panoramas são estonteantes, a visão dela pelo resto da cidade é  deprimente.
Este é um dos principais valores a resgatar. A  paisagem experienciada tanto por quem vê a cidade desde o morro, quanto por quem  vê o morro desde a cidade. 
E assim como na Europa medieval (e para generalizar,  na verdade em quase tudo que é canto), o que compromete mais a segurança das  edificações na típica ocupação de encosta é a água, logo a solução emergencial  deve focar coberturas por um lado, e por outro o saneamento básico. Secar e  drenar é o mínimo que se deve garantir para qualquer assentamento humano!  Acredito até que o percentual de verba pública disponível para a construção  popular cubra estes aspectos com folga, e talvez nem seja necessária a  concorrência conjunta de município, estado e federação. 
Agora, faça isto direito, que mais seria preciso?  Pensando em sustentabilidade, uma solução desta ordem, ainda que emergencial,  deve também ser permanente, resolvendo de vez a parada, e isto feito, com as  circulações otimizadas, me pergunto se o restante do problema não passa a ser  apenas questão cultural...  
Imagine lajes sobre pilares com cobertura vegetal,  acompanhando as curvas de nível daqueles morros, e fazendo a vez de teto para as  moradias existentes. A chuva é retida, a água pode ser reusada, o terreno  permanece seco. De cara obtém-se segurança estrutural, e recupera-se a paisagem,  o maior e mais valorizado bem daquela cidade. Por cima das lajes a circulação à  nível fica facilitada, ali até se pode permitir ao usuário plantar, mas só. Por  baixo, segue tudo como já é, sendo facultado ao morador a possibilidade de  regularizar seu imóvel, se atender às exigências de praxe, como qualquer outro  cidadão.
As colunas e vigas de suporte para estas lajes,  inteligentes, abrigariam a infra-estrutura necessária, intercalando entre úmidas  e secas. Assim não é preciso cavar o terreno para abrigar tubulações, evitando  as tradicionais demolições e remoções. Desta forma preserva-se e valoriza-se o  que ali existe de melhor, e com a menor e mais necessária intervenção, obtém-se  muito...
Cada edificação existente ganha com a circulação  coberta, com a paisagem preservada, com a segurança e o novo entorno. Mais que  isso, agora livre do embate das intempéries, deixam de precisar dos telhados, e  ganham o vão útil até a laje. Os fios e gatos desaparecem, as lajes verdes  recuperam a topografia, devolvendo a paisagem para a cidade, normatizando, sem  perder a pluralidade, a riqueza conquistada pela ocupação paulatina, pelo  processo de acertos e erros do contínuo afazer leigo, que permanece, ganhando  uma nova dimensão cultural, agora cidadã. 
Assim não há remoção ou recolocação, quem está fica e  pronto. Minimizam-se os resíduos, posto que não se trata de demolir tudo para  recomeçar do zero, ou atravessar o existente acompanhando o solo para abrigar  dutos. A demolição é mínima, e o descarte ainda pode ser utilizado no próprio  local. A escala permite a pré-fabricação, e aqui há espaço de sobra para  otimizar tudo. Pode-se reutilizar agregados, reduzir custos exponencialmente se  a produção for abraçada pelo poder público, e ainda agregar tecnologias verdes  como coletores solares, reuso de água captada, etc... 
Com mais um esforço mínimo de planejamento,  integram-se as áreas comunitárias, as pequenas áreas de convivência, os raros  vazios, e naturalmente o uso nas fronteiras com estes espaços se tornará mais  utilitário, comercial, portanto também tornando-os mais susceptíveis à  normatização e fiscalização. Quanto maior o vazio, tanto maior a fronteira, mais  oportunidade para a exploração comercial. A especulação passa a contribuir para  o desadensamento, ao contrário do usual, e a interface entre dentro e fora ganha  uma tendência positiva, provocando um círculo virtuoso. 
Por que não?
Oscar Müller
arquiteto e urbanista
arquiteto e urbanista
arquiteto@synapsis.org.br
 
 
 
 
Nossa, realmente este texto diz tudo. Todo ano vemos as mesmas tragedias, precisamo planejar mais e melhor para evitar tudo isso. Vim agradecer sua viaita no meu blognho e gostaria de te convidar para voltar e se gostar, basta me seguir, se nao gostar me de umas dicas para eu melhorar.
ResponderExcluirAte la,
Ale
Muito triste saber de ótimas soluções como estas apresentadas pelo Oscar e o total descaso (e desorganização) do poder público na implantação das mesmas...
ResponderExcluirBjs!
Olá Alê, Oi, Malice!
ResponderExcluirNa verdade creio que já existem muitas soluções, para cada um dos problemas que enfrentamos, esta que apresentei é apenas uma entre tantas possíveis, mas sinto que patinamos contra a mesmice, contra a inércia que leva as pessoas a fazer tudo como sempre foi feito, repetindo tanto acertos quanto erros!