Arquitetura, Envelhecimento e Prevenção do Suicídio

 



Assisti recentemente ao filme O Clube do Crime das Quintas-Feiras em um streaming. O enredo policial pouco me prendeu, mas os espaços, esses sim me capturaram. Um palácio transformado em moradia coletiva para idosos: apartamentos personalizados, jardins floridos, salas de convivência. Quase um paraíso do morar compartilhado, modelo do que hoje chamamos de co-housing. Fiquei imaginando que maravilha se as casas de acolhimento pudessem ter essa riqueza de espaços.

Mas, em meio a tanta sofisticação, o filme termina com uma cena que trata o suicídio e a eutanásia como episódios corriqueiros. Simples demais. Como estamos em plena campanha do setembro amarelo, de prevenção ao ato de tirar a própria vida, fiquei imaginando em quantas pessoas convivem com espaços e ambientes que, ao invés de os incentivarem a viver bem, acabam por agravar seus problemas de isolamento e solidão.    

E fiquei com uma pergunta: o espaço pode, de fato, influenciar a decisão de alguém abreviar a própria vida? Se pode, como arquitetos, gestores e famílias podemos criar ambientes que funcionem como barreiras à solidão e ao desespero?

E para agravar a situação, este risco silencioso está bem dentro de casa. Segundo dados do Boletim Epidemiológico da SVS (2021), 82% dos suicídios de pessoas idosas no Brasil acontecem em casa. O lar, que deveria ser abrigo, se transforma no espaço que causa maior vulnerabilidade.

As pesquisas apontam alguns motivos para isso: casas mal adaptadas, pouco iluminadas, sem estímulo sensorial, ambientes que reduzem a autonomia e aumentam a sensação de aprisionamento. O isolamento residencial, segundo estudo da Research, Society and Development, é o principal fator de risco espacial.

Mas o problema não termina na porta de casa. Nas cidades brasileiras, calçadas esburacadas, ausência de bancos, praças abandonadas e transporte público precário transformam trajetos simples em desafios intransponíveis. O resultado é o afastamento: muitos idosos deixam de sair, evitam circular e se fecham entre paredes que pouco os acolhem.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, a taxa de suicídio entre idosos está acima da média nacional. Isso talvez mostre como a urbanização intensa, combinada com a solidão e a desigualdade, pode acabar por adoecer silenciosamente.

As vozes que já contribuíram com a sociedade não podem ser silenciadas com casas pouco acolhedoras, distanciamento familiar, ausência de redes de apoio. Muitos idosos deixam de participar da vida social simplesmente porque o espaço não os permite circular com dignidade. E o isolamento, quando se instala, pode ser fatal.

E aqui vale um olhar atento: o idoso carente, que muitas vezes vive em habitações precárias, tem no espaço público sua principal forma de socialização. Se a praça não convida, se a calçada expulsa, se o transporte não chega, resta apenas o confinamento invisível.

Outro ponto essencial são as Instituições de Longa Permanência (ILPIs). Elas podem ser resposta necessária em muitos casos, mas não podem se limitar a ser depósitos de corpos. Cada detalhe do espaço deve ser pensado para além da técnica: é preciso projetar com afeto, ouvir desejos, respeitar individualidades. Um quarto iluminado, um jardim acessível, uma sala de convivência vibrante podem ser tão terapêuticos quanto qualquer intervenção médica.

Se o ambiente pode adoecer, também pode curar. E aqui está o ponto central: a arquitetura e o urbanismo podem ser ferramentas de prevenção. E como fazer isso? Alguns cuidados simples: 
  • Luz natural e ventilação: janelas amplas, espaços claros e arejados diminuem a sensação de clausura.
  • Autonomia garantida: barras de apoio, eliminação de degraus, portas largas, são elementos que permitem independência.
  • Memória e afeto: permitir que a pessoa idosa mantenha objetos significativos, fotografias e elementos pessoais é essencial para fortalecer identidade e pertencimento.
  • Ambientes de criação: áreas dedicadas a hobbies (um ateliê de pintura, uma mesa de costura, um canto de leitura) estimulam propósito e continuidade da vida.
Nos espaços urbanos podemos pensar em:
  • Calçadas acessíveis e seguras: sem buracos, com rampas, iluminação adequada e bancos para descanso.
  • Praças vivas: com sombras, mesas de jogos, parques adaptados e atividades culturais.
  • Centros de convivência: onde oficinas, rodas de conversa e programas intergeracionais acontecem regularmente.
  • Transporte público acessível: que assegure circulação e presença social, sem aprisionar idosos em suas casas.
  • Espaços intergeracionais: escolas, bibliotecas e equipamentos culturais que promovam encontros entre gerações, diminuindo o abismo do isolamento.
Arquitetura como cuidado preventivo pode ser uma solução. Políticas públicas já apontam caminhos, como a Estratégia Brasil Amigo da Pessoa Idosa e o Programa Plenidade, mas falta força e continuidade. Adaptar casas, revitalizar espaços urbanos, apoiar ILPIs humanizadas e fomentar redes comunitárias não podem ser vistos como luxo, mas como estratégias primárias de saúde mental.

O suicídio entre idosos é um tema delicado, muitas vezes escondido sob camadas de silêncio. Mas os números falam: a maioria dos casos acontece dentro das casas. Isso nos obriga a perguntar: que casas estamos projetando? Que cidades estamos construindo? Que instituições estamos sustentando?

Espaços físicos não são neutros. Eles podem ser prisões silenciosas, mas também podem ser territórios de pertencimento, movimento e vida. Podem ajudar pessoas a socializar e não sentir solidão. 

Como arquitetos, gestores e cidadãos, temos a responsabilidade de transformar o espaço em aliado. Porque, no fim, não projetamos apenas paredes e ruas, projetamos condições para que as pessoas possam se sentir bem e desfrutar da companhia de mais pessoas que possam ser uma rede de apoio. 

O espaço pode aprisionar, mas também pode ajudar a salvar. A escolha é nossa.

Lembre: se precisar, peça ajuda 

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