IA, Imagens e Incoerências: O Custo Energético de Ilustrar a Devastação Ambiental


Quando escrevi sobre a devastação ambiental, recebi uma crítica bastante pertinente: por que usar uma imagem gerada por inteligência artificial em um texto que denuncia o colapso da natureza? Agradeci. Mesmo sabendo que ferramentas de IA têm alto custo energético, eu ainda não havia me debruçado com atenção sobre esse paradoxo.

Desta vez, escolhi ilustrar o texto com uma fotografia real, feita por mim nas Missões do Rio Grande do Sul, em 2013. Mas eis outra ironia: toda a pesquisa que embasou este artigo foi feita com auxílio de aplicativos de IA.

Como, então, conciliar a luta em defesa do meio ambiente com o uso crescente da inteligência artificial em nossas vidas?

Por Que as IAs Consomem Tanta Energia?

Pense na IA como um supercérebro: para funcionar, ela precisa de uma quantidade colossal de eletricidade. Para aprender a gerar imagens ou responder perguntas, são usados computadores extremamente potentes que ficam ligados por dias, semanas, às vezes meses. E a energia que os alimenta nem sempre vem de fontes limpas, muitas vezes vem de usinas movidas a carvão, gás natural ou grandes reservatórios de água.

Ou seja, paradoxalmente, para criar uma imagem que ilustra a poluição, a IA pode estar, ela mesma, contribuindo para a poluição. Ironicamente coerente. Ou incoerente? 

E a Água? As IAs funcionam em data centers, enormes galpões recheados de servidores que processam dados sem parar. Esses servidores esquentam muito, como um celular que ficou jogando por horas. E, para não superaquecerem, precisam ser constantemente resfriados — adivinha com o quê? Água.

As duas formas principais de uso de água pelas IAs:
  • Torres de resfriamento: usam água para dissipar o calor gerado pelos servidores. Parte dessa água evapora no processo.
  • Geração de energia: usinas termoelétricas e hidrelétricas que abastecem esses centros também demandam grandes volumes de água.
Um estudo de abril de 2025 mostrou que o ChatGPT pode consumir até meio litro de água a cada 20 a 50 interações. Parece pouco? Agora imagine isso multiplicado por milhões de usuários, todos os dias. Um único data center grande pode consumir água equivalente à de uma cidade de 30 a 50 mil habitantes por dia.

Onde Está o Maior Gasto de Energia na IA?

A IA consome energia em duas fases principais:
  • Treinamento dos modelos: é como ensinar uma criança a ler milhões de livros em poucas semanas. Exige processadores poderosos funcionando sem parar. Modelos como o GPT-4 ou geradores de imagens consomem energia equivalente ao gasto anual de cidades inteiras.
  • Inferência: é quando você usa a IA para gerar texto ou imagem. O gasto por uso individual é menor, mas a soma global é imensa. A IA está funcionando 24 horas por dia, todos os dias, em escala mundial.
Por Que Isso Importa?
  • Impacto ambiental direto: mais energia = mais emissões (se for de fonte poluente).
  • Escassez hídrica: data centers competem com comunidades locais por água potável.
  • Incoerência ética: usar tecnologia poluente para denunciar colapsos ambientais é como apagar fogo com gasolina.
Se a IA é uma ferramenta do futuro, ela precisa ser uma aliada da sustentabilidade, e não mais uma ameaça disfarçada de progresso.

Tecnologia e Envelhecimento: O Mesmo Desafio Ético

Vivemos em um mundo que envelhece, aquece e se transforma. A crise ambiental se intensifica ao mesmo tempo que a população global envelhece. Arquitetos, comunicadores e cidadãos atentos enfrentam um dilema ético e estético: como representar a devastação sem ampliá-la?

No campo da criação visual, as IAs oferecem cenas poéticas e impactantes. Elas podem simular florestas destruídas, oceanos tóxicos, cidades submersas. Parecem perfeitas para ilustrar o colapso. Mas... será coerente?

Dois Lados da Moeda Digital

O lado favorável:
  • Impacto simbólico e emocional: criam imagens que alertam e mobilizam.
  • Ética visual: evitam expor pessoas reais em situações de sofrimento.
  • Acessibilidade: são mais baratas que contratar fotógrafos ou comprar imagens licenciadas.
O lado incoerente (e desconfortável):
  • Ficção disfarçada: uma imagem gerada não é prova, é construção. Pode enganar.
  • Se o público descobre que a imagem é falsa, pode duvidar da mensagem.
  • Desvaloriza o trabalho de fotógrafos e comunicadores ambientais.
  • Alto impacto ambiental: para gerar imagens que denunciam o colapso, a IA consome recursos que o agravam.
Coerência em Tempos de Colapso

Estamos em uma fase planetária em que o envelhecimento não é apenas biológico, é também ecológico. A Terra dá sinais de exaustão. E assim como cuidamos de nossos idosos com atenção e responsabilidade, precisamos cuidar do planeta com escolhas maduras, inclusive nas imagens que escolhemos para falar sobre ele.

Arquitetura, comunicação e envelhecimento compartilham uma ética: construir com propósito, comunicar com verdade e envelhecer com dignidade.

Existe IA Sustentável? Sim, E Isso Importa. Pesquisadores vêm desenvolvendo formas de tornar as IAs mais leves e eficientes:
  • Modelos menores e mais especializados: menos dados, menos energia, menos impacto.
  • Chips inteligentes: como o DeepSeek, que só ativa os “neurônios” que precisa, economizando energia.
  • Fontes renováveis: empresas investem em data centers movidos a energia solar, eólica e em sistemas de resfriamento que reutilizam a água.
Ou seja, é possível usar IA com consciência, mas para isso, precisamos de informação, responsabilidade e coerência. Cada imagem publicada reflete nossa visão de mundo e o grau de coerência entre o que defendemos e como comunicamos.

Num tempo em que tudo envelhece, corpos, ideias, florestas, continentes, usar IA para denunciar a destruição exige mais do que criatividade: exige maturidade ética.

E você? Como enxerga o papel da tecnologia no futuro do planeta que envelhece conosco?

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